Ciclo A Civilização Passa pela Mesa: “Portugal tem condições para competir na indústria da defesa”


As empresas portuguesas do setor da defesa têm competências tecnológicas e talento humano para se afirmarem num novo paradigma de conflito, onde a tecnologia é mais determinante do que a dimensão dos exércitos. Esta foi uma das principais conclusões do segundo almoço do ciclo “A Civilização Passa pela Mesa”, promovido pelo Círculo Eça de Queiroz no dia 4 de julho, sob o tema “Como se faz a nova guerra?”.

O encontro contou com a participação de Nuno Severiano Teixeira, Professor Catedrático e Presidente do Instituto Português de Relações Internacionais; do General Luís Valença Pinto, Presidente da EuroDefense Portugal; e de José Neves, Presidente da AED Cluster Portugal. Segundo os oradores, Portugal possui várias empresas com conhecimento tecnológico e recursos humanos qualificados, com potencial para crescer e competir a nível internacional neste novo enquadramento estratégico. “As empresas portuguesas têm capacidade para se desenvolverem nesta indústria e para serem competitivas”, afirmaram.

Os três oradores traçaram um retrato claro das profundas mudanças em curso no domínio militar, defendendo que, atualmente e sobretudo no futuro, a guerra será moldada por avanços tecnológicos e sistemas automatizados, e que Portugal está bem posicionado para integrar essa transformação.

Nuno Severiano Teixeira destacou que existe atualmente um conjunto de tendências que pode configurar a forma como se fará a guerra no futuro. “Ao contrário das guerras do passado, em que a dimensão dos exércitos era decisiva, hoje é a evolução tecnológica que assume um papel central”, afirmou o Presidente do Instituto Português de Relações Internacionais. “A massa continua a ser importante, mas cada vez menos relevante do que a sofisticação dos sistemas militares”.

Entre os fatores que estão a transformar o cenário da guerra contemporânea, os oradores destacaram, em primeiro lugar, a digitalização do combate, com o recurso à Inteligência Artificial na tomada de decisões militares. A esta tendência junta-se a crescente robotização, com sistemas de armamento capazes de operar sem intervenção humana direta. Por fim, sublinharam o avanço da desumanização do conflito, em que tarefas antes realizadas por milhares de soldados são agora executadas por ativos estratégicos automatizados.

Estas transformações, segundo Nuno Severiano Teixeira, têm implicações de grande alcance, não apenas no plano militar, mas também no económico, exigindo um esforço contínuo de investimento em investigação, desenvolvimento e inovação por parte dos Estados e das indústrias da defesa. Mas as consequências não se esgotam aí: o novo tipo de guerra levanta também questões éticas e sociais cada vez mais complexas, enquanto “protege quem ataca, aumenta o risco de vítimas civis e agrava a distância entre os decisores e os efeitos dos combates”, alertou o especialista.

O debate evoluiu para a análise do papel da Europa no atual contexto de segurança e defesa. Luís Valença Pinto e José Neves sublinharam a urgência de construir uma verdadeira autonomia estratégica europeia, capaz de reforçar o pilar europeu da NATO e de atuar em coordenação com os Estados Unidos, mas também de forma independente sempre que as circunstâncias o exijam. Para alcançar esse objetivo, defenderam a necessidade de um investimento sustentado na defesa ao longo da próxima década, não só no reforço das capacidades militares, mas também na criação de uma base industrial europeia robusta e tecnologicamente autónoma, que reduza a dependência face à indústria norte-americana.

António Martins da Costa, Presidente do Círculo Eça de Queiroz, destacou o papel do ciclo “A Civilização Passa pela Mesa” como espaço de reflexão plural e informada sobre temas estruturantes. “É precisamente perante este mundo em transformação – onde até o modo de fazer a guerra está a mudar – que o Círculo quer promover debates que cruzem cultura, política, ciência e pensamento estratégico”, afirma. “O nosso propósito é contribuir para uma cidadania mais esclarecida e um país mais preparado”, concluiu.