A estagnação da economia portuguesa não é fruto do acaso, mas o reflexo de um duplo bloqueio: décadas de inércia política que impediram reformas estruturais e alimentaram a dependência dos fundos europeus; e um tecido empresarial incapaz de criar escala, de atrair investimento e de competir globalmente. Esta foi a tese dominante do debate “Há futuro para a economia nacional?”, promovido pelo Círculo Eça de Queiroz no mais recente almoço-debate do ciclo “A Civilização Passa pela Mesa”.
Este debate reuniu Ricardo Reis, professor na London School ofEconomics, e Nuno Palma, professor na Universidade de Manchester, com a moderação de André Macedo, diretor do Jornal Económico. Os dois oradorestraçaram um retrato preocupante da economia portuguesa: um país que cresce abaixo da média europeia, sem capacidade de gerar inovação, reter talento ou modernizar o Estado. De acordo com os palestrantes, a falta de ambição tornou-se crónica e o tecido empresarial permanece fragmentado e com poucas empresas a alcançarem dimensão competitiva à escala internacional.





Para Nuno Palma, o problema é antigo e estrutural. “Não é por acaso que temos crescimento anémico: o Estado funciona mal, as agências estão capturadas e o sistema económico é pouco concorrencial. O problema é político”, afirmou o historiador económico. “A persistente ausência de reformas em áreas como a justiça, a fiscalidade, o mercado de capitais ou o financiamento empresarial reflete uma falta de vontade política para enfrentar os bloqueios que travam o crescimento e afastam o país dos seus parceiros europeus”, defendeu.
Esta crítica estendeu-se ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), descrito como um instrumento mal desenhado para os fins que se lhe atribuíram. “O PRR foi vendido aos cidadãos como um plano de emergência,mas aplicado como se fosse uma reforma estrutural. O desfasamento é evidente”, afirmou Nuno Palma. No seu entender, o PRR é sintoma de um modelo em que as decisões sobre investimento público são cada vez mais definidas por Bruxelas, afastando-se das prioridades nacionais.
Num país que, segundo Nuno Palma, “cresce pouco há décadas” e “diverge dos parceiros europeus”, a dependência de fundos europeus tornou-se crónica e perigosa. “Quando os fundos acabarem, veremos o que é realmente Portugal”, advertiu. Para ilustrar os riscos de depender de fluxos externos sem os transformar em desenvolvimento interno, recuou ao século XVIII e ao ciclo do ouro do Brasil, que considera ter sido “um presente envenenado”: permitiu à Coroa financiar-se diretamente, sem negociar com elites locais, e desincentivou a produção e a industrialização. “Há um risco de repetirmos o erro”, afirmou o académico.
Ricardo Reis centrou a sua intervenção nos constrangimentos económicos atuais, com destaque para as dificuldades das empresas portuguesas em ganhar escala e competir internacionalmente. Segundo o economista, apesar de a Europa já ter um número de start-ups semelhante ao dos Estados Unidos, é na fase de crescimento que se revela a diferença. “O problema está no financiamento de expansão: falta capital de risco, faltam estruturas jurídicas e falta agilidade”, apontou. Segundo o economista, o obstáculo já não está no talento, mas nas condições institucionais que determinam se uma empresa pode crescer ou não. “A grande diferença está na capacidade de captar investimento, proteger os investidores e garantir boa governação”, afirmou.





Ricardo Reis sublinhou também que, embora Portugal tenha deixado de ser periférico em termos geográficos e digitais, continua a sê-lo do ponto de vista económico. “É difícil, em Portugal, uma empresa alcançar a escala necessária para competir globalmente.” Para o economista, é esta limitação – mais do que o tipo de setor – que explica a fraca produtividade da economia portuguesa.
“Portugal recebeu cerca de um milhão de pessoas nos últimos três anos. Isso é um capital humano imenso. A pergunta é: o que vamos fazer com esse novo ouro?”, questionou Ricardo Reis. A metáfora propôs uma inversão da narrativa atualmente dominante, vendo nos imigrantes não um fardo, mas uma oportunidade – desde que haja políticas sérias de integração, capacitação e mobilização de talento.
Também o turismo, frequentemente apresentado como motor do crescimento nacional, foi revisto criticamente. “É um setor primário, no fundo. Estamos a apostar num modelo que não acrescenta valor nem promove inovação”, afirmou o economista Ricardo Reis, alertando para o risco de especialização em áreas com baixo impacto na produtividade e nos salários.
Apesar do tom crítico do debate – houve espaço para reconhecer sinais encorajadores na economia portuguesa. Destacou-se a crescente internacionalização de empresas nacionais, hoje mais voltadas para mercados externos e sujeitas a maior concorrência global. Foi também sublinhado que Portugal deixou de ser periférico em termos digitais e de mobilidade, beneficiando de uma nova centralidade nas redes tecnológicas e de talento.
Assinalaram-se melhorias na disciplina orçamental e na pressão para uma maior eficiência empresarial, num contexto considerado mais exigente e competitivo do que em décadas anteriores. Segundo os oradores, estes fatores, aliados ao dinamismo de novas empresas e a uma maior consciência coletiva sobre os bloqueios estruturais, podem ser a base para um novo ciclo de crescimento – desde que exista vontade política para concretizar as reformas necessárias.
Esta reflexão sobre os bloqueios ao crescimento económico nacional faz parte da missão do Círculo Eça de Queiroz de promover debates abertos e exigentes sobre os grandes desafios do país. Com uma programação regular que cruza pensamento crítico e pluralidade de perspetivas, “o CEQ quercontinuar a oferecer um espaço plural, onde se pense Portugal com liberdade, exigência e sentido estratégico”, afirmou António Martins da Costa, presidente do Círculo. O ciclo “A Civilização Passa pela Mesa” “pretende convocar olhares diversos sobre temas centrais da sociedade portuguesa, cruzando conhecimento, memória e diálogo”.
O Círculo Eça de Queiroz entra agora num breve interregno de verão, mas já prepara a próxima edição dos seus ciclos de debates. As sessões têm registado salas cheias, marcada participação dos sócios e dos seus convidados, e um ambiente de diálogo vivo e exigente, “um sinal do interesse renovado em pensar o país com profundidade”, afirma o presidente do CEQ.