O Papa como líder espiritual, figura política e referência moral à escala global. Esta foi a base de reflexão da primeira edição do novo ciclo de almoços-debate promovido pelo Círculo Eça de Queiroz, intitulado “A Civilização Passa pela Mesa”. O encontro reuniu, com lotação esgotada, Sócios e convidados para uma conversa aberta sobre os desafios do pontificado de Leão XIV. A frase inaugural do novo Papa – “A paz esteja convosco” – serviu de mote para uma discussão que cruzou temas como a missão diplomática da Igreja, a reforma interna do Vaticano e o legado de Francisco, num mundo marcado pela fragmentação e pela urgência do diálogo.
Com intervenções do padre Peter Stilwell, especialista em diálogo ecuménico, do embaixador António Almeida Lima, antigo representante de Portugal junto da Santa Sé, e do jornalista Filipe d’Avillez, perito em temas religiosos, o debate percorreu o legado do Papa Francisco, o seu peso simbólico na geopolítica internacional, o panorama interno da Igreja e a sua missão num mundo marcado pela fragmentação.










Filipe d’Avillez alertou para a dificuldade que o novo Papa poderá enfrentar ao ter de lidar com a imagem simbólica de Francisco, construída no imaginário coletivo. “O desafio estará em gerir expectativas assentes numa ideia de mudança que nem sempre correspondeu à realidade”, afirmou. Sublinhou ainda a urgência de reequilibrar as finanças do Vaticano, atualmente deficitárias, e de concluir reformas estruturais, nomeadamente no sistema judicial, cuja credibilidade tem sido abalada por processos polémicos e pouco eficazes. Segundo o jornalista, Leão XIV assume também um papel relevante no plano diplomático e inter-religioso, indicando a possível escolha da Turquia como destino da sua primeira viagem como um sinal claro dessa orientação.
O embaixador António Almeida Lima reforçou a importância histórica da Santa Sé como ponto de equilíbrio e mediação entre nações, salientando que a sua presença global, através de missões diplomáticas, congregações religiosas e igrejas locais, permite uma leitura do mundo “mais atual do que a de muitas embaixadas estatais”. Sublinhou o peso moral da figura papal, precisamente por não estar ao serviço de interesses particulares, mas sim de uma mensagem universal centrada no Evangelho. Destacou ainda a frase inaugural do novo Papa, “A paz esteja convosco”, como expressão clara de uma “linha de pontificado centrada na escuta, na verdade e na construção da paz”. Segundo António Almeida Lima, “Leão XIV é uma figura preparada, com formação jurídica, sólida experiência missionária e uma visão universal ponderada, capaz de responder com equilíbrio aos desafios contemporâneos”.
O padre Peter Stilwell partilhou uma conversa que teve com o príncipe da Arábia Saudita, durante a qual este reconheceu que “o Papa Francisco é muito importante. É a única pessoa que neste momento consegue congregar as vontades para além das fronteiras. Não se trata hoje de salvar o islão ou o cristianismo, trata-se de salvar a humanidade”. Para o padre Peter Stilwell, essa afirmação reflete bem o papel único do Papa no mundo atual – um desafio e também um legado que Leão XIV herda. Cada pontífice, acrescentou, “traz consigo o seu carisma e a sua forma de viver a fé, mas todos partilham a responsabilidade de estar no centro de uma Igreja global, chamada a acompanhar tanto as dores como as alegrias da humanidade”.A discussão abordou ainda o crescente protagonismo do Papa e o impacto do “soft power” da Igreja, assente na sua autoridade moral, na sua presença territorial e na sua capacidade de diálogo com diferentes culturas e religiões.
Este primeiro almoço “Civilização Passa pela Mesa: o que será do novo Papa?” assinala o arranque de um ciclo que pretende recuperar o espírito de convivência e reflexão à volta da mesa. Os próximos encontros do Círculo Eça de Queiroz já estão em preparação e continuarão a propor temas essenciais à compreensão do mundo contemporâneo. “Estes ciclos de conversa refletem o que é, desde sempre, a missão do Círculo Eça de Queiroz: reunir pessoas que pensam, escutam e trocam ideias, com liberdade e espírito crítico, em torno das grandes questões do nosso tempo”, afirma António Martins da Costa, presidente do Círculo Eça de Queiroz.














